"SEGREDOS
João passou a vida quase toda juntando e guardando coisas. Guardou o brinquedo que mais queria; o sonho que nunca se realizou; o nome da menina que mais amou; o que era real e também a fantasia. Guardava tudo em gavetas que trancava bem trancadas.
O tempo passou e as gavetas de desejos não realizados, de medos escondidos, vitórias perdidas, amores não correspondidos, excessos de prevenções, coisas importantes e simples, fenomenais e banais foram ficando lotadas, pesadas...
No meio de tantas coisas guardadas, João não conseguia mais sequer saber o que tinha. Todos aqueles segredos ficavam trancados com chave e cadeado, cada gaveta tinha sua chave e todas as chaves ficavam sempre penduradas num chaveiro, na cintura de João que não conseguia mais abrir nenhuma gaveta. O barulhinho das chaves no chaveiro era uma espécie de segurança, mas também uma grande tormenta.
As gavetas sempre trancadas foram trancando os sentimentos, as emoções, a própria saúde de João, que vivia alheio a tudo e, de certa forma, trancado com seus segredos. Do fundo de uma tristeza intensa, João um dia olhou pra bem longe e lá... Quase no infinito teve o olhar ofuscado pelo brilho dos olhos de Maria. Maria, que ele nem sabia, foi chegando de mansinho e começou a desempoeirar os desejos de João, há tanto tempo guardados. Maria que João não conhecia trouxe também uma lembrança e a vontade de encontrar aquela flor vermelha guardada dentro de um livro reservada para ser entregue à pessoa especial que ele achava já ter ido embora pra sempre. As gavetas foram todas reviradas naquela busca desesperada para encontrar o livro, a flor...
Vários outros livros, poemas, músicas, lembranças e emoções foram-se revelando no arrombar daquelas gavetas. Até um sorriso esquecido brotou nos lábios de João, que, depois de esvaziar todas as gavetas, percebeu: não precisava trancar mais nada, não precisava de cadeados. Agora João já sabia que a chave que abria tudo era Maria. Maria que olhava pra ele com olhos de paixão e alegria."
João passou a vida quase toda juntando e guardando coisas. Guardou o brinquedo que mais queria; o sonho que nunca se realizou; o nome da menina que mais amou; o que era real e também a fantasia. Guardava tudo em gavetas que trancava bem trancadas.
O tempo passou e as gavetas de desejos não realizados, de medos escondidos, vitórias perdidas, amores não correspondidos, excessos de prevenções, coisas importantes e simples, fenomenais e banais foram ficando lotadas, pesadas...
No meio de tantas coisas guardadas, João não conseguia mais sequer saber o que tinha. Todos aqueles segredos ficavam trancados com chave e cadeado, cada gaveta tinha sua chave e todas as chaves ficavam sempre penduradas num chaveiro, na cintura de João que não conseguia mais abrir nenhuma gaveta. O barulhinho das chaves no chaveiro era uma espécie de segurança, mas também uma grande tormenta.
As gavetas sempre trancadas foram trancando os sentimentos, as emoções, a própria saúde de João, que vivia alheio a tudo e, de certa forma, trancado com seus segredos. Do fundo de uma tristeza intensa, João um dia olhou pra bem longe e lá... Quase no infinito teve o olhar ofuscado pelo brilho dos olhos de Maria. Maria, que ele nem sabia, foi chegando de mansinho e começou a desempoeirar os desejos de João, há tanto tempo guardados. Maria que João não conhecia trouxe também uma lembrança e a vontade de encontrar aquela flor vermelha guardada dentro de um livro reservada para ser entregue à pessoa especial que ele achava já ter ido embora pra sempre. As gavetas foram todas reviradas naquela busca desesperada para encontrar o livro, a flor...
Vários outros livros, poemas, músicas, lembranças e emoções foram-se revelando no arrombar daquelas gavetas. Até um sorriso esquecido brotou nos lábios de João, que, depois de esvaziar todas as gavetas, percebeu: não precisava trancar mais nada, não precisava de cadeados. Agora João já sabia que a chave que abria tudo era Maria. Maria que olhava pra ele com olhos de paixão e alegria."
O texto aí de cima foi escrito ontem durante a oficina Ateliê de Histórias - Módulo II, ministrada por Cadu Cinelli. Resultado de uma criação coletiva, "Segredos" surgiu a partir de um objeto ( um cadeado com chave) e de memórias diversas que eu, e as colegas de curso, também contadoras de histórias: Iêda Muniz Almeida, Naira Wanderlei e Letícia Levenhagen trocamos em alguns minutos de reflexões e conversas. Mais que o registro escrito da experiência, quero deixar aqui uma provocação para todos os que se encantam com a palavra: abram suas gavetas e deixem surgir as histórias!
A escrita para mim flui com facilidade, mas nem sempre é assim com a narrativa. Depois que escrevi "nossa" história para o cadeado e a chave, tive que, junto com Iêda, Naira e Letícia contá-la para o resto da turma. Sem ensaio e sem ler, o texto ganhou outra vida, nas vozes, nos olhares, nos gestos que encontramos para transmitir aos outros todas as nuances dos anseios e das descobertas dos nossos personagens. Experimentamos em pouco tempo a força da narrativa! Vivenciamos ainda as histórias contadas pelos outros três grupos a partir de um alfinete, um novelo de lã e uma chaleira.
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