segunda-feira, 19 de abril de 2010

Dica de Leitura


Vocês certamente já ouviram falar das famosas memórias da Emília, personagem bastante conhecida do Monteiro Lobato, não é? Pois bem, aqui vou falar de uma quase Emília e de suas memórias também. Tatiana Belinky deixou a Rússia ainda criança para vir morar no Brasil, chegou de navio e se encantou de cara com um cacho de bananas, achou que aqui era o paraíso e nunca mais deixou nosso país. Hoje aos 91 anos, cheia de energia e bom humor, acaba de ser empossada na Academia Paulista de Letras e conta neste livro da Cia das Letrinhas como foram os seus primeiros 17 anos num país tão diferente do seu.
Tatiana não cansa de dizer que se acha um pouco como a boneca Emília: tagarela, meio espivitada e sempre cheia de imaginação! A autora é das mais importantes na literatura infantojuvenil brasileira e depois de inovar com adaptações de Monteiro Lobato para a tv e o teatro, não parou mais de nos presentear com incríveis e divertidas histórias. São inúmeros livros publicados por várias editoras e com certeza 17 é Tov! chega para nos encantar com o relato doce e cheio de bom humor, dos primeiros tempos de Brasil.Quando deixou a Letônia para vir morar aqui, Tatiana Belinky era uma garota de 10 anos. São Paulo era um lugar muito diferente de Riga, cidade onde ela passou a infância, e o período de adaptação foi difícil. Mas não demorou até que ela abraçasse a nova nação: Tatiana "aderiu" à Revolução Constitucionalista de 32 aos doze anos, doando uma correntinha para a campanha "ouro para o bem de São Paulo".


Em 17 é tov! ela descreve esses primeiros temposem São Paulo. Desde a chegada no bairro paulistano de Higienópolis até o casamento de seu irmão com uma prima, a autora narra casos que marcaram sua vida e sua experiência em um novo país. Um apêndice explica curiosidades e fatos históricos que fazem parte do livro.

Leia  aqui um trecho do livro para ficar com água na boca!



"O COMEÇO




A minha última lembrança da nossa partida de Riga, na Letônia, onde vivi dos dois até os dez anos, para um exílio voluntário, mas supostamente temporário, da minha família para o misterioso e longínquo Brasil, é a cena da estação ferroviária coalhada de gente que viera se despedir de nós quatro: minha mãe e seus três filhotes - eu, a mais velha, e meus dois irmãos menores. (Papai já estava lá, à nossa espera, pois viajara alguns meses antes, para "preparar o terreno".)

Na plataforma se acotovelavam os avôs e avós, tios e tias, primos e primas, adultos e crianças, e muitos amigos - um bota-fora agitado, mas não alegre. Lembro-me em especial do meu primo Márik, um ano mais velho do que eu, que me abraçou, chorando e dizendo: "Tánia, não se case lá, quando eu crescer eu vou te buscar...". Mal sabíamos que aquela era a última vez que nos víamos - no futuro, seríamos para sempre separados pela Segunda Grande Guerra, pelo terrível e assassino nazismo e... Mas não quero falar disso agora.

O que eu quero é contar alguns momentos da minha - agora já bem longa - vida no Brasil, onde aportamos, a bordo de um transatlântico, em fins de 1929. E nos fixamos na minha amada cidade de São Paulo, que eu adotei e que me adotou, após três anos de "choque cultural", na rua Jaguaribe, no populoso bairro de Santa Cecília.

Não foi fácil para os meus pais - embora minha mãe, cirurgiã-dentista formada em 1914, logo começasse a trabalhar na sua profissão e meu pai, poliglota, logo dominasse o português, falado e escrito.

Mas para nós crianças a adaptação à nova vida, na nova rua, com outra língua - tão diferente do russo e do alemão que falávamos -, outro clima, outros costumes, outro tudo foi muito difícil; aquele primeiro período foi uma verdadeira pororoca. Um torvelinho de sensações, impressões e problemas - e também deslumbramentos de toda espécie. Era tudo muito perturbador, sendo que talvez a maior das provações fosse o conflito "cultural" com os meninos daquela rua, moleques terríveis que nos hostilizavam por sermos estrangeiros e nos agrediam, verbal e fisicamente, a toda hora, naqueles três anos tão difíceis...

Mas os traumas da rua Jaguaribe foram superados em meados de 1932, quando aconteceu a Revolução Constitucionalista de São Paulo contra a ditadura de Getúlio Vargas - revolução à qual eu "aderi" aos doze anos de idade. Doei o meu único bem terrestre (afora um livro de contos de Turguêniev, que eu trouxe de Riga e que tenho até hoje): uma correntinha de ouro, em troca da qual ganhei um anel de estanho, com os dizeres "Dei ouro para o bem de São Paulo". E com isso eu me senti brasileira - e paulista - pela primeira vez, e para sempre."




O livro tem ilustrações de Maria Eugênia e tem além dos desenhos algumas fotos e muitas lembranças!

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